Chandon francesa não consegue impedir uso de nome por danceteria de Florianópolis

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento ao recurso especial da empresa francesa Champagne Moët & Chandon que buscava proibir que uma danceteria de Florianópolis continuasse a utilizar o nome Chandon. De forma unânime, o colegiado concluiu que a proteção à marca de bebidas francesa está adstrita ao seu ramo de atividade, não havendo possibilidade de confusão entre empresas que atuam em negócios distintos.

“No caso dos autos, o uso das duas marcas não é capaz de gerar confusão aos consumidores, assim considerando o homem médio, mormente em razão da clara distinção entre as atividades realizadas por cada uma delas. Não há risco, de fato, de que o consumidor possa ser levado a pensar que a danceteria seria de propriedade (ou franqueada) da Moët & Chandon francesa, proprietária do famoso champanhe”, afirmou o relator do recurso especial, desembargador convocado Lázaro Guimarães.

De acordo com a Moët & Chandon, a danceteria usa a marca Chandon, registrada na França, sem o seu consentimento. A fabricante de espumantes também alegou que a danceteria ofereceria aos seus clientes bebidas da sua marca, o que elevaria a possibilidade de confusão entre os consumidores.

O pedido de abstenção de uso da marca pela danceteria foi julgado improcedente em primeira e segunda instâncias. Entre outros fundamentos, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) entendeu que, considerando a diferença de especialidade das empresas – a empresa francesa atua no ramo de bebidas, e a brasileira pertence à área de danceteria e restaurantes –, não haveria possibilidade de confusão por parte do consumidor.

Coexistência

Por meio de recurso especial, a produtora de espumantes alegou que o artigo 126 da Lei de Propriedade Industrial confere proteção especial à marca notoriamente conhecida, ainda que não registrada no Brasil. A empresa destacou que o dispositivo legal tem respaldo na Convenção de Paris para Proteção da Propriedade Industrial, da qual o Brasil é signatário.

O desembargador convocado Lázaro Guimarães, relator, destacou que a jurisprudência do STJ estipula que as marcas de alto renome, registradas previamente no Instituto Nacional da Propriedade Industrial, gozam, de acordo com o artigo 125 da Lei 9.279/96, de proteção em todos os ramos de atividade.

Já as marcas notoriamente conhecidas possuem proteção internacional, independentemente de registro no Brasil, apenas em seu ramo de atividade, conforme previsto pelo artigo 126 da Lei de Propriedade Industrial. Nesse último caso, explicou o relator, é aplicável – como aplicou o TJSC – o princípio da especialidade, o qual autoriza a coexistência de marcas idênticas, desde que os respectivos produtos ou serviços pertençam a ramos de atividades distintos.

Assim, não sendo a recorrente marca de alto renome, mas marca notoriamente conhecida –portanto, protegida apenas no seu mesmo ramo de atividade –, “não há como alterar as conclusões constantes do acórdão recorrido”, concluiu o ministro ao rejeitar o pedido de abstenção de uso de marca.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1209919

COMENTÁRIOS: A proteção de uma marca não se estende abstratamente a todos os ramos de atuação. Exige-se para o registro de uma marca apenas a novidade relativa, isto é, exige-se apenas que ela possa distinguir produtos ou serviços semelhantes, não gerando confusão para o público consumidor.

Assim, o direito de impedir o uso de marca que gere confusão com a marca anteriormente registrada abrange apenas os ramos de atuação que guardem uma afinidade mercadológica com os ramos para os quais aquela marca foi registrada, porquanto mesmo se não estiverem catalogados na mesma classe, se dois produtos estão inseridos no mesmo segmento mercadológico, é possível a ocorrência de confusão em relação ao público consumidor. Esse é o princípio da especialidade.

O STJ já afirmou reiteradas vezes que “o direito de exclusividade de uso de marca, decorrente do seu registro no INPI, é limitado à classe para a qual é deferido, não sendo possível a sua irradiação para outras classes de atividades”[1].

A marca de alto renome é aquela que é conhecida da população em geral, sendo um fator de diferenciação extremamente relevante, vale dizer, ela implica algo mais do que seu significado óbvio ou imediato[2]. Trata-se de uma marca que possui alto grau de conhecimento junto ao público em geral, inspirando confiança e exercendo grande força atrativa. Nesse caso, a proteção se estende a todos os ramos econômicos, desde que haja um registro no país, especificadamente com essa conotação de alto renome[3] (art. 125 da Lei n. 9.279/96).

As marcas de alto renome representam uma exceção justificada ao princípio da especialidade, na medida em que o grau de conhecimento das marcas de alto renome extrapola um ramo específico de atuação. A força da marca de alto renome não se limita ao seu ramo de atuação e, por isso, sua proteção deve-se estender indistintamente a todos os ramos de atuação. A confiança que o consumidor tem nos produtos ou serviços da marca de alto renome naturalmente se estenderá a outros ramos aos quais o mesmo empresário se dedique.

O STJ[4] afirmou que tal atribuição é exclusiva do INPI, mas, a nosso ver, nada impede que o Judiciário reconheça e declare uma marca como de alto renome, em razão da própria garantia constitucional do acesso à justiça. Apesar da nossa opinião, o STJ[5] reiterou seu entendimento de que não cabe ao judiciário reconhecer incidentalmente uma marca como de alto renome. O judiciário só poderia intervir para questionar o ato do INPI que deixou de reconhecer uma marca como de alto renome, ainda que primariamente, isto é, não haveria necessidade de utilizar apenas a via incidental. Em qualquer caso, a decisão só produzirá efeitos para o futuro, ou seja, dali para a frente é que a marca de alto renome terá a proteção especial[6].

Não havendo alto renome, a marca só é protegida no seu ramo de atuação.

[1] STJ – 4ª Turma – RESP 142.954/SP, Relator. Ministro BARROS MONTEIRO, DJ de 21-9-1999.

[2] OLIVEIRA, Maurício Lopes de. Propriedade industrial: o âmbito de proteção da marca registrada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000, p. 63.

[3] FURTADO, Lucas Rocha. Sistema de propriedade industrial no direito brasileiro: comentários à nova legislação sobre marcas e patentes: Lei n. 9.279, de 14 de maio de 1996. Brasília: Brasília Jurídica, 1996, p. 130.

[4] STJ – REsp 716.179/RS, Re. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, julgado em 1º-12-2009, DJe 14-12-2009.

[5] STJ – REsp 1162281/RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 19-2-2013, DJe 25-2-2013.

[6] STJ – AgRg no REsp 1163909/RJ, Rel. Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, julgado em 2-10-2012, DJe 15-10-2012.

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