Paula Forgioni assim define o contrato de distribuição como “contrato bilateral, sinalagmático, atípico e misto, de longa duração, que encerra um acordo vertical, pelo qual um agente econômico (fornecedor) obriga-se ao fornecimento de certos bens ou serviços a outro agente econômico (distribuidor), para que este os revenda, tendo como proveito econômico a diferença entre o preço de aquisição e de revenda e assumindo obrigações voltadas a satisfação das exigências do sistema de distribuição do qual participa”.[1]
Em primeiro lugar, há a necessidade de relações de compra e venda para posterior revenda, por um preço maior do que o pago para adquiri-los, pois é nessa diferença que estará o lucro do distribuidor[2]. Não se trata de uma relação eventual de compra e posterior revenda, mas uma provisão regular de produtos do distribuído para o distribuidor, para posterior revenda. Há um caráter de habitualidade nessas negociações.
Na revenda, o distribuidor atuará por sua conta e risco. Assim, em segundo lugar, exige-se a autonomia do distribuidor, não no sentido de liberdade absoluta, mas no sentido de autonomia jurídica para atuação, uma vez que os produtos a serem distribuídos serão de sua propriedade. Não há vínculos societários ou trabalhistas entre o distribuidor e o distribuído[3]. A relação entre é uma relação de colaboração autônoma, sem vínculos de dependência ou subordinação. Também não se cogita de poder de representação do distribuidor, reforçando a ideia de uma autonomia substancial na sua atuação. Pode haver sim certa subordinação técnica, no sentido da manutenção de certa uniformidade de tratamento dos produtos, mas nunca uma subordinação jurídica.
Por não se confundir com a distribuição do artigo 710 do CC, trata-se de contrato atípico[4], isto é, toda a sua regulamentação deve ser feita pelas partes, cabendo geralmente ao distribuído boa margem de liberdade na disciplina do contrato, devendo se atentar especialmente às normas de direito público sobre defesa do consumidor e da concorrência[5]. Registre-se que alguns autores reconhecem a aplicação das normas do CC que se referem à[6] distribuição, sem contudo, atribuir tipicidade a esse contrato. Há que se anotar, porém, que a concessão comercial para revenda de veículos automotores terrestres é um contrato típico, mas será objeto de tratamento separado, tendo em vista as disposições da Lei nº 6.729/79.
Pela atipicidade do contrato não há parâmetros legais para a definição dessa indenização. Assim sendo, alguns cogitaram da aplicação dos parâmetros previstos em legislações especiais, como a lei da concessão mercantil para revenda de veículos automotores terrestres (Lei nº 6.729/79) ou a lei da representação comercial autônoma (Lei nº 4.886/65). Todavia, nenhuma dessas leis pode ser aplicada ao contrato de distribuição no que diz respeito à eventual indenização.
A Lei nº 6.729/1979 não é aplicável ao caso da distribuição em geral, tendo em vista a especificidade da referida lei[7], que trata da concessão mercantil em um setor específico: a revenda de veículos automotores terrestres. Há uma grande especificidade nesta lei, que afasta a pretensão de sua aplicação generalizada. Do mesmo modo, não se pode cogitar aplicação das regras da representação comercial,[8] pela falta de identidade fática entre as situações disciplinadas. Afastada a aplicação, ainda que analógica, das referida regras, devem ser analisadas as condições para a fixação de eventual indenização.
Boa parte da doutrina, porém, especialmente na vigência do atual Código Civil, vem reconhecendo o cabimento da indenização pela rescisão, ainda que não prevista no contrato, com base na teoria geral dos contratos.[9] O STJ já afirmou que “A rescisão imotivada do contrato, em especial quando efetivada por meio de conduta desleal e abusiva – violadora dos princípios da boa-fé objetiva, da função social do contrato e da responsabilidade pós-contratual – confere à parte prejudicada o direito à indenização por danos materiais e morais”[10]. Nesta situação, a eventual indenização deverá levar em conta os investimentos efetuados que ainda não foram amortizados, os lucros cessantes, os estoques, eventuais indenizações trabalhistas, gastos com a devolução de imóveis, gastos com as adaptações, alteração de fachada e investimentos em propaganda e divulgação da marca[11] e outros que afastem eventualmente enriquecimento sem causa dos envolvidos, até eventualmente um ressarcimento pela formação de clientela. A nosso ver, esta última opinião é mais adequada a ideia geral dos contratos no CC.
Veja-se a notícia divulgada no STJ sobe o tema:
Lei Ferrari não pode ser aplicada por analogia a contrato de distribuição de bebida
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade de votos, reformou decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que condenou a Companhia de Bebidas das Américas (Ambev) ao pagamento de indenização compensatória a uma distribuidora pelo trabalho de captação de clientela ao longo do período de vigência de contrato de distribuição.
O caso envolveu ação de indenização por danos morais e materiais movida por uma distribuidora contra a Ambev, em razão de rescisão unilateral de contrato de distribuição de bebidas que as empresas mantinham desde 1989.
Fundo de comércio
O TJSP julgou o pedido parcialmente procedente. Apesar de reconhecer que a rescisão do contrato não ocorreu de forma repentina e desmotivada, mas em razão do inadimplemento da distribuidora, com atrasos, falta de pagamento dos produtos adquiridos e desabastecimento da região sob sua responsabilidade, condenou a Ambev ao pagamento de “indenização parcial por fundo de comércio, correspondente à captação de clientela, a ser calculada em fase de liquidação por artigos”, por aplicação da Lei 6.729/79 (a chamada Lei Ferrari, que trata das concessionárias de veículos).
Segundo o acórdão, “dissolvido o vínculo contratual, ainda que em decorrência de denúncia motivada por inadimplemento culposo da distribuidora, tem ela direito a uma indenização de natureza compensatória, cuja finalidade é evitar o enriquecimento sem causa do fabricante, único a continuar se beneficiando da incorporação do fruto do trabalho de captação da clientela promovido pelo distribuidor”.
Ato lícito
No STJ, o relator, ministro Villas Bôas Cueva, entendeu pela reforma da decisão. Segundo ele, como as instâncias ordinárias reconheceram que a fabricante denunciou, motivadamente e com antecedência de 60 dias, o contrato de distribuição de bebidas, seria “manifestamente descabido” pedido indenizatório fundado na prática de ato lícito.
De acordo com o ministro, “mesmo nas hipóteses de denúncia imotivada do contrato de distribuição de bebidas (desde que observado o prazo contratualmente estabelecido de aviso prévio), tem-se reconhecida a inexistência do dever de indenizar”.
Aplicação impossível
Villas Bôas Cueva destacou a impossibilidade de aplicação da Lei Ferrari em razão da suposta captação de clientela que a distribuidora teria, ao longo dos anos, ajudado a construir. Segundo ele, a relação comercial foi proveitosa para ambas as partes, e os investimentos feitos pela distribuidora foram recompensados pelos lucros obtidos ao longo do período de vigência do contrato.
“É firme no âmbito de ambas as turmas julgadoras integrantes da Segunda Seção a orientação de que é impossível aplicar, por analogia, as disposições contidas na Lei 6.729/79 à hipótese de contrato de distribuição de bebidas, haja vista o grau de particularidade da referida norma, que, como consabido, estipula exclusiva e minuciosamente as obrigações do concedente e das concessionárias de veículos automotores de via terrestre, além de restringir de forma bastante grave a liberdade das partes contratantes em casos tais”, concluiu o relator.
[1] FORGIONI, Paula. Contrato de Distribuição. 2. ed. São Paulo: RT, 2008, p. 116.
[2] SCHERKERKEWITZ, Iso Chaitz. Contratos de Distribuição: e o novo contexto do contrato de representação comercial. São Paulo: RT, 2011, p. 75.
[3] MARZORATI, Osvaldo J.; SANDOVAL, Carlos A. Molina (dir.). Contratos de distribución. Buenos Aires: Heliasta, 2010, p. 19.
[4] FORGIONI, Paula. Contrato de Distribuição. 2. ed. São Paulo: RT, 2008, p. 111; COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2002, v. 3, p. 101; SCHERKERKEWITZ, Iso Chaitz. Contratos de Distribuição: e o novo contexto do contrato de representação comercial. São Paulo: RT, 2011, p. 87; NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa. 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012, v. 2, p. 300; MELITO, Giancarllo. Contrato de distribuição. In: FERNANDES, Wanderley. Contratos de organização da atividade econômica. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 216.
[5] DUTILLEUL, François Collart; DELEBECQUE, Philippe. Contrats civis et commerciaux. 8. Ed. Pais: Dalloz, 2007, p. 924.
[6] MELITO, Giancarllo. Contrato de distribuição. In: FERNANDES, Wanderley. Contratos de organização da atividade econômica. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 216; CAMILO JÚNIOR, Ruy Pereira. Contrato de distribuição ou concessão mercantil. In: PEREIRA JÚNIOR, Antonio Jorge; JABUR, Gilberto Haddad (coord.) Direito dos contratos. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 458.
[7] FORGIONI, Paula. Contrato de Distribuição. 2. ed. São Paulo: RT, 2008, p. 93; STJ – REsp 88565/SP, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/09/1997, DJ 17/11/1997, p. 59517; STJ – REsp 654408/RJ, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 09/02/2010, DJe 14/09/2010.
[8] BULGARELLI, Waldirio. Contratos Mercantis. 10. Ed. São Paulo: Atlas, 1998, p. 451.
[9] SCHERKERKEWITZ, Iso Chaitz. Contratos de Distribuição: e o novo contexto do contrato de representação comercial. São Paulo: RT, 2011, p. 113.
[10] STJ – REsp 1255315/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/09/2011, DJe 27/09/2011.
[11] TJPR. Processo AC nº AC 0607073-3 – 9. Câmara Cível – Umuarama – Relator: Desembargador Hélio Henrique Lopes Fernandes Lima. Umuarama, 3 de dezembro de 2009.