Dissolução parcial de sociedade não exige citação de todos os acionistas

Em decisão unânime, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve decisão que, em ação de dissolução parcial de uma sociedade anônima fechada, dispensou a citação de todos os sócios por entender que a legitimidade passiva era apenas da empresa.

De acordo com o processo, o pedido de dissolução parcial da sociedade foi ajuizado por alguns sócios devido à falta de distribuição de lucros e dividendos por cerca de 15 anos, bem como à não adequação do seu contrato social aos dispositivos do Código Civil.

A sentença julgou o pedido procedente e declarou a sociedade parcialmente dissolvida, autorizando a retirada dos sócios do empreendimento. A decisão foi mantida em segundo grau, e a empresa recorreu ao STJ com o argumento de que todos os demais sócios deveriam ter sido citados por serem litiscorsortes necessários, tendo em vista que a dissolução parcial os onerava diretamente.

Legitimidade passiva

A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, reconheceu que a Terceira Turma já decidiu sobre a indispensabilidade da formação de litisconsórcio passivo necessário na hipótese de dissolução total de sociedade, mas observou que, no caso de dissolução parcial, a legitimidade passiva é da própria companhia, não havendo litisconsórcio necessário com todos os acionistas.

No caso de dissolução total – explicou a ministra –, a participação de todos os sócios na demanda judicial seria essencial para que se alcançasse a necessária certeza acerca da absoluta inviabilidade da manutenção da empresa. Isso porque, em tese, algum sócio poderia manifestar o desejo de prosseguir com a atividade empresária, e então não seria o caso de dissolução total.

“O resultado útil do processo, na perspectiva dos autores da demanda, cinge-se à sua retirada da sociedade com a respectiva apuração de haveres. Portanto, eventual acolhimento do pedido formulado na petição inicial não conduz à absoluta inviabilidade de manutenção da empresa por dissolução total”, concluiu a relatora.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1400264

COMENTÁRIOS:

Pelas próprias características de uma sociedade anônima, é natural que o acionista não permaneça eternamente na companhia. Geralmente, esta saída do acionista se deu por meio da cessão de suas ações, por ato entre vivos ou causa mortis, com o ingresso de outra pessoa na titularidade das ações. Mesmo na hipótese legalmente prevista de exclusão do acionista remisso (Lei 6.404/76 – art. 107, § 4º), o que existe é a apropriação de suas ações pela companhia. Em suma, não há a princípio qualquer hipótese de dissolução parcial da sociedade anônima de caráter institucional.

Em certas situações, contudo, a jurisprudência vem admitindo a “dissolução parcial” da sociedade anônima[1]. Esta hipótese, abrangeria as “sociedades anônimas de médio e pequeno porte, em regra, de capital fechado, que concentram na pessoa de seus sócios um de seus elementos preponderantes, como sói acontecer com as sociedades ditas familiares, cujas ações circulam entre os seus membros, e que são, por isso, constituídas intuito personae”.[2] O caráter pessoal e não o vínculo familiar é que seria determinante para a caracterização dessas sociedades anônimas familiares, isto é, seriam sociedades com acionistas que se relacionam pessoalmente, independentemente de vínculo familiar.

Com efeito, nestas sociedades anônimas familiares, prepondera uma nítida natureza pessoal e neste caso a cessão das ações seria algo muito difícil, senão impossível, pois não seria viável a entrada de um terceiro estranho àquele grupo. Todavia, não se poderia deixar o acionista preso para sempre à companhia. Assim sendo, deve-se admitir que a simples quebra de affectio societatis seja motivo para a saída do acionista, com a dissolução parcial e o pagamento da sua parte na sociedade, de forma similar ao recesso nas sociedades limitadas.

Dentro da mesma lógica, nas sociedades anônimas de caráter pessoal, deve-se admitir a exclusão do acionista por justa causa,[3] isto é, em caso de grave descumprimento das obrigações pelo acionista, os demais poderão deliberar o ajuizamento de ação que promova a exclusão do acionista faltoso, nos moldes do artigo 1.030 do CC. Valem aqui as mesmas considerações sobre a justa causa aplicável às sociedades regidas pelo CC, isto é, deve-se se tratar de um descumprimento dos deveres e não de um simples desentendimento entre os acionistas.

Com o novo CPC, passa-se a prever a ação de dissolução para as sociedades anônimas de capital fechado quando demonstrado, por acionista ou acionistas que representem cinco por cento ou mais do capital social, que não pode preencher o seu fim (art. 599, § 2º). Tal previsão tende a restringir a possibilidade de dissolução parcial a requerimento dos acionistas. No entanto, acreditamos que apesar desta restrição, deve continuar a prevalecer a orientação da jurisprudência sobre as sociedades anônimas consideradas sociedades de pessoas, pois nestas prevalece o caráter pessoal e contratual da relação, sendo inviável restringir de forma exagerada a possibilidade da dissolução parcial a pedido dos acionistas.

Em qualquer caso, o procedimento da ação de dissolução parcial, seja no caso do artigo 599, § 2º, seja nos casos de sociedades de pessoas, será aquele previsto no novo CPC para fins de reconhecimento da dissolução e eventual pagamento da apuração de haveres. Neste procedimento, o artigo 601, estabelece um litisconsórcio passivo necessário entre a sociedade e os demais sócios, dispensando a citação da sociedade se todos os sócios forem citados.

Ocorre que, na ação para a dissolução de uma sociedade anônima, pode ser um tanto quanto inviável citar todos os acionistas. Por isso, falando na dissolução total da S/A, concluiu-se que somente a sociedade anônima possui legitimidade para figurar no pólo passivo de demanda dissolutória, devendo ser representada por sua Diretoria, não havendo necessidade de litisconsórcio com os demais acionistas.

A propósito, já decidiu o STJ: “O reconhecimento da legitimidade passiva dos demais sócios em ação de dissolução da sociedade anônima, além das dificuldades para o prosseguimento do feito, em decorrência, em alguns casos, de grande número de réus, contraria a participação limitada do acionista na condução dos rumos da companhia. Somente a sociedade anônima possui legitimidade para figurar no pólo passivo de demanda dissolutória, devendo ser representada por sua Diretoria”[4].

Na decisão acima, o STJ parece mudar sua anterior, dizendo que na dissolução parcial, basta ser citada a sociedade e na dissolução total, todos os acionistas deveriam ser citados.

A nosso ver, porém, a solução da situação depende da situação da sociedade anônima.

Se ela for uma sociedade de caráter familiar, prevalecerá a natureza personalista e contratual, e consequentemente o sistema do Código Civil, sendo necessária a participação de todos os sócios no processo de dissolução propriamente dito. Tal pretensão para o reconhecimento da dissolução parcial tem um caráter nitidamente constitutivo, pois o objetivo do processo no caso, será a resolução do vínculo contratual, isto é, a alteração de uma relação jurídica já existente. Por isso, todos os participantes dessa relação jurídica deverão ser citados.

Já no caso de uma típica sociedade anônima de capitais, sem natureza contratual personalista, não há um vínculo contratual a ser resolvido, mas apenas uma questão que se refere à sociedade como um todo (dissolução total) ou a um acionista específico (dissolução parcial). Nesses casos, a nosso ver a citação deverá ser apenas da sociedade.

Já para a apuração de haveres, em qualquer tipo de sociedade anônima, a ação deverá ser ajuizada contra a própria sociedade, pois ela é quem deve pagar a apuração de haveres. Trata-se de pretensão que visa à condenação da própria sociedade ao pagamento dos haveres, pois o cálculo irá considerar o patrimônio da sociedade e não o patrimônio dos sócios. O direito aos haveres é o direito ao recebimento de uma parcela do patrimônio da sociedade.

Apesar da previsão do artigo 604, § 1º do novo CPC, a legitimidade processual é da sociedade, pois é ela que tem a obrigação e pagar o sócio ou seus sucessores. A nosso ver, o depósito é devido pela sociedade, mas pode ser feito pelos sócios, a fim de evitar a redução do capital social.

[1] STJ – REsp 1128431/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/10/2011, DJe 25/10/2011; EREsp 1079763/SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 25/4/2012, DJe 6/9/2012.

[2] STJ – EREsp 111294/PR, Rel. Ministro CASTRO FILHO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 28/6/2006, DJ 10/9/2007, p. 183; REsp 651.722/PR, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/9/2006, DJ 26/3/2007, p. 233.

[3] STJ – REsp 917531/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 17/11/2011, Dje 1º/2/2012

[4] REsp 467085/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 28/04/2009, DJe 11/05/2009.

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