PROCESSO REsp 1.627.286-GO, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por maioria, julgado em 20/06/2017, DJe 03/10/2017
RAMO DO DIREITO DIREITO PROCESSUAL CIVIL
TEMA Inventário. Participação acionária. Sociedade anônima. Inventariante. Alteração do poder de controle. Acervo patrimonial. Alienação. Impossibilidade. Atuação. Limite. Administração e conservação dos bens.

 

DESTAQUE
O inventariante, representando o espólio, não tem poder de voto em assembleia de sociedade anônima da qual o falecido era sócio, com a pretensão de alterar o controle da companhia e vender bens do acervo patrimonial, cujo benefício não se reverterá a todos os herdeiros.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A questão que se põe em debate é definir se votar em nome do falecido em assembleia geral de sociedade da qual ele era sócio, com a finalidade de alterar a natureza das ações, convertendo ações preferenciais em ordinárias, e vender bens da sociedade, é ato albergado pelos poderes de gestão do inventariante. Inicialmente, ressalta-se que, no momento da sucessão, o patrimônio do falecido se constitui numa universalidade de bens, que sofrerá divisão com o término da partilha. Enquanto perdura o processo de divisão do patrimônio, é preciso que alguém administre o espólio, zelando pelos bens que o integram, daí a figura do inventariante. De acordo com o art. 991, II, do CPC/1973, incumbe ao inventariante “administrar o espólio, velando-lhe os bens com a mesma diligência como se fossem seus”, dependendo de autorização judicial, segundo o art. 992 do mesmo diploma legal, a alienação de bens de qualquer espécie, a transação, o pagamento de dívidas do espólio e a realização de despesas para a conservação e o melhoramento dos bens. Como se observa da redação da norma, o inventariante deve procurar “zelar”, isto é, proteger, conservar o patrimônio, de modo que no momento da divisão os bens tenham seu valor mantido. Assim, o que se inclui dentro dos poderes de administração do inventariante são os atos tendentes à conservação dos bens para a futura partilha, como o pagamento de tributos e de aluguéis, realização de reparos e aplicação de recursos, atendendo os interesses dos herdeiros. Na hipótese, o inventariante busca alterar o estatuto social da companhia, para permitir a conversão de ações preferenciais em ordinárias, atendendo seu interesse pessoal e de alguns outros herdeiros. Se realizada a alteração aludida, os herdeiros detentores de ações preferenciais, que não têm direito a voto, passariam a ter esse direito, o que poderia modificar o controle acionário da companhia. Trata-se, portanto, de ato que extrapola a simples administração. Nesse contexto, não há como entender que o voto do inventariante para modificar a natureza das ações e a própria estrutura de poder da sociedade anônima esteja dentro dos limites estabelecidos pelo art. 991, II, do CPC/1973. Por fim, cumpre assinalar que conforme se verifica do percentual de ações que cabe a cada herdeiro, a pretensão do inventariante de converter as ações preferenciais em ordinárias somente poderia ser alcançada por ele durante o inventário, na qualidade de representante de todos os sucessores, pois com a partilha das ações, não haveria alteração do poder de controle e a conversão das ações dependeria da concordância de todos os herdeiros.

COMENTÁRIO

O falecimento de um acionista da sociedade anônima, dada sua natureza tipicamente capitalista, gera a transferência automática das ações aos herdeiros. Ocorre que, enquanto não for ultimada a partilha, não é assegurado aos herdeiros o exercício dos direitos decorrentes da titularidade. Assim, até a partilha os direitos decorrentes das ações tocarão ao espólio, que é representado pelo inventariante.

Ocorre que o inventariante tem apenas os poderes ordinários de gestão sobre os bens (CPC/2015 – art. 618, II). Quaisquer atos de gestão extraordinária dependerão de autorização judicial (CPC/2015 – art. 619). Assim, o voto do espólio representado pelo inventariante para matérias extraordinárias da sociedade (atos de concentração, atos de disposição patrimonial…) não pode ser considerado ato ordinário de gestão, isto é, o voto pelo espólio nas matérias extraordinárias dependerá de oitiva dos interessados e autorização judicial. Nesse sentido, o STJ reconheceu que “modificar a natureza das ações e a própria estrutura de poder da sociedade anônima não se insere no seu poder ordinário”, dependendo de autorização judicial.

 

 

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