O crédito é um elemento essencial para a vida moderna em sociedade, sendo difícil imaginar uma sociedade que se desenvolva sem operações que envolvam negócios de crédito. Estes negócios devem ser entendidos como relações jurídicas de confiança para a troca de valore atuais por valores futuros. Assim, operações que integram o dia a dia de todos, como operações com cartões de crédito, aquisições de insumos e de bens de consumo, só alcançaram o nível que se tem hoje pelo surgimento e desenvolvimento do crédito.

Ocorre que, para o crédito se desenvolver, ele precisa ser protegido, ele precisa ser tutelado. Cabe ao direito criar instrumentos jurídicos que protejam a concessão do crédito e, dentre esses instrumentos, surge o tratamento das crises econômica e financeira. Há crise econômica quando urna atividade rende menos do que custa, trabalhando no prejuízo. Já a crise financeira ocorre com a incapacidade de se pagar pontualmente as obrigações assumidas. Essas crises trazem efeitos perniciosos para toda a economia e precisam ser solucionadas.

É possível e, até desejável, que as crises econômicas e financeiras encontrem suas soluções mediante acordos negociados no mercado, sempre tomando como parâmetro a boa-fé objetiva, seja numa esfera de consumo, seja numa esfera empresarial. Contudo, nem sempre é possível que se encontre a solução pela atuação do mercado, impondo-se soluções legais para essas crises. É neste particular que surgem as recuperações judiciais e extrajudiciais, bem como a falência.

No Brasil, a Lei 11.101/2005 é a responsável pelo tratamento legal das crises com os mecanismos da recuperação judicial, da recuperação extrajudicial e da falência. Embora se trate de uma lei relativamente recente, é certo que ela necessitava de aprimoramentos, como ocorreu em vários outros países que reformaram o seu sistema legal de tratamento da crise empresarial.

Existem muitas iniciativas no congresso que visam ao tratamento das crises, sendo importante mencionar o Projeto de Lei 10.220/2018, oriundo do Ministério da Economia, a partir de um trabalho de vários juristas especializados na matéria. Na exposição de motivos desse projeto são trazidos cinco princípios norteadores das mudanças propostas:

  • “i) preservação da empresa: em razão de sua função social, a atividade economicamente viável deve ser preservada sempre que possível, pois gera riqueza cria emprego e renda e contribui para o desenvolvimento econômico. Este princípio, entretanto, não deve ser confundido com a preservação – a qualquer custo – do patrimônio do empresário ou da empresa ineficiente;
  • ii) fomento ao crédito: o sistema legal dos países da América Latina – Brasil inclusive – apresenta um histórico de pouca proteção ao credor, o que gera uma baixa expectativa de recuperação de crédito, impactando negativamente esse mercado por meio da elevação do custo de capital. A correlação entre a melhoria do direito dos credores e o aumento do crédito é demonstrada na literatura empírica sobre o tema. Uma consequência prática desse princípio é que o credor não deve ficar, na recuperação judicial, em situação pior do que estaria no regime de falência. Garantir ex-ante boas condições de oferta de crédito amplia a oferta de financiamentos e reduz seu custo;
  • iii) incentivo à aplicação produtiva dos recursos econômicos, ao empreendedorismo e ao rápido recomeço (fresh start): célere liquidação dos ativos da empresa ineficiente, permitindo a aplicação mais produtiva dos recursos, aposta na reabilitação de empresas viáveis, remoção de barreiras legais para que empresários falidos-que não tenham cometido crimes – possam retornar ao mercado após o encerramento da falência;
  • iv) instituição de mecanismos legais que evitem um indesejável comportamento estratégico dos participantes da recuperação judicial/extrajudicial/falência que redundem em prejuízo social, tais como: proposição pelos devedores de plano de recuperação judicial deslocados da realidade da empresa (em detrimento dos credores), prolongamento da recuperação judicial apenas com fins de postergar pagamento de tributos ou dilapidar patrimônio da empresa etc.
  • v) melhoria do arcabouço institucional incluindo a supressão de procedimentos desnecessários, o uso intensivo dos meios eletrônicos de comunicação, a maior profissionalização do administrador judicial e a especialização dos juízes de direito encarregados dos processos”.

Assim, a partir dessas linhas mestras, vários projetos existentes foram reunidos no Projeto de Lei 6.229/2005 que foi aprovado na Câmara dos Deputados e no Senado, dando origem à Lei 14.112/2020.

A recente reforma da Lei de Recuperação Judicial e Falência acrescentou alguns instrumentos processuais e materiais que permitem maior fluidez e desenvolvimento da recuperação judicial, que já vinham sendo largamente discutidos pela doutrina e jurisprudência.

Dentre as principais alterações da Lei n. 11.101/2005, destacam-se:

  1. Possibilidade de apresentação do plano de recuperação judicial da empresa, ampliando o diálogo entre devedores e credores;
  2. Formação do quadro geral de credores independentemente do julgamento de todas as habilitações de crédito;
  3. Incentivo à mediação e conciliação, de forma antecedente ou incidental ao processo de recuperação judicial;
  4. Consolidação processual e substancial nos casos de grupos econômicos;
  5. Dispensa de Certidão Negativa de Débitos, permitindo o recebimento de valores em contratos públicos em andamento, bem como a participação da Recuperanda em licitações;
  6. Possibilidade de obtenção de financiamentos, mediante autorização judicial;
  7. Possibilidade de parcelamento de débitos tributários federais em até 120 meses, podendo utilizar créditos decorrentes de prejuízo fiscal e de base negativa para abatimento de até 30% da dívida, e parcelamento do saldo restante em até 84 prestações;
  8. Extinção das obrigações do falido pelo encerramento da falência ou pelo decurso de prazo de 3 anos, contado da decretação da falência;
  9. Tipificação de crime falimentar decorrente da distribuição dos lucros u dividendos aos sócios ou acionistas até a aprovação do plano de recuperação judicial;
  10. Possibilidade de pedido de recuperação judicial do produtor rural.  

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