Protesto de título prescrito gera dano moral apenas se não houver outras formas de cobrar a dívida
O protesto de títulos cambiais prescritos gera dano moral indenizável apenas quando não houver outros meios legais de cobrar a dívida, situação em que o ato notarial só serve para constranger o devedor.
O entendimento foi exposto pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao analisar dois processos distintos a respeito de protesto de títulos prescritos. Em um caso, uma nota promissória foi protestada nove anos após a sua emissão, sendo que o prazo prescricional para a execução previsto em lei é de três anos. Em outro, um cheque – cujo prazo para execução é de seis meses – foi protestado quatro anos após a emissão.
Para a relatora de ambos os casos, ministra Nancy Andrighi, após a verificação de que os títulos foram protestados fora do prazo, pois já prescrita a ação cambial de execução, é preciso analisar se há dano a ser indenizado. A magistrada afirmou que o protesto do título prescrito após exauridos os meios legais de cobrança constitui “verdadeiro abuso de direito, pois visa tão somente a constranger o devedor ao pagamento de obrigação inexigível judicialmente”.
No caso da nota promissória protestada nove anos após a emissão, já haviam exaurido os meios judiciais para a exigência do crédito, pois transcorridos os prazos para ajuizamento de ação de cobrança fundada na relação causal e, ainda, de ação monitória. Dessa forma, segundo a relatora, houve abuso no direito do exequente.
“O protesto, nessa hipótese, se mostra inócuo a qualquer de seus efeitos legítimos, servindo apenas para pressionar o devedor ao pagamento de obrigação natural (isto é, sem exigibilidade jurídica), pela ameaça do descrédito que o mercado associa ao nome de quem tem título protestado”, fundamentou Nancy Andrighi.
O colegiado manteve a indenização de R$ 2 mil por danos morais. A relatora destacou que há responsabilidade civil do credor quando exerce de forma irregular o direito de cobrança, sendo ilícito o ato se praticado para obter o pagamento de dívida já paga ou inexigível.
Outros meios
Quando, porém, ainda existem outros meios de persecução do crédito, o entendimento da turma é que o protesto de título prescrito não caracteriza dano a ser indenizado. No caso do cheque, quando lavrado o protesto, subsistiam ao credor, ainda, as vias legais da ação de cobrança e da ação monitória – ambas submetidas ao prazo de prescrição quinquenal –, de maneira que o ato notarial, segundo a relatora, apenas veio a confirmar a inadimplência. Dessa forma, disse Nancy Andrighi, não há dano moral caracterizado.
“Aquele que, efetivamente, insere-se na condição de devedor, estando em atraso no pagamento de dívida regularmente por si assumida, passível de cobrança por meios outros que não a execução, não pode se sentir moralmente ofendido por um ato que, apesar de extemporâneo, apenas testificou sua inadimplência”, concluiu a ministra.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1639470
COMENTÁRIOS:
Fábio Ulhoa Coelho afirma que o protesto é “o ato praticado pelo credor, perante o competente cartório, para fins de incorporar ao título de crédito a prova de fato relevante para as relações cambiais”.[1] Em outras palavras, Whitaker afirma que o protesto é “o ato oficial pelo qual se prova a não realização da promessa contida na letra”.[2] Fran Martins, por sua vez, afirma que o protesto é o “ato solene destinado principalmente a comprovar a falta ou recusa do aceite ou do pagamento da letra”.[3]
Ele é um ato cambiário público, solene e extrajudicial, feito fora do título. Em última análise, trata-se de um meio de prova especialíssimo, que goza de presunção, a princípio, inquestionável do fato demonstrado. O protesto não cria direitos, é apenas um meio especialíssimo de prova. Ele também não deve ser confundido com um meio de cobrança, pois trata-se exclusivamente de um meio de prova de um fato relevante.
O protesto por falta de aceite só pode ser realizado enquanto ainda é possível dar o aceite, isto é, até o vencimento do título. Após o vencimento, não há mais que se cogitar do aceite, ou se paga o título ou não e, por isso, após tal data só se faz o protesto por falta de pagamento.
Embora tenha um termo inicial (após o vencimento do título), não se pode visualizar um termo final para a realização do protesto por falta de pagamento, vale dizer, ele pode ser feito a qualquer momento, enquanto existir uma dívida para ser paga. Mesmo que já tenha ocorrido até a prescrição da execução, se a dívida ainda existe (pois pode ser cobrada pela ação de locupletamento), o protesto será legítimo.[4]
Quando a legislação de regência diz que o protesto por falta de pagamento deve ser tirado até um dia útil após o vencimento (Decreto nº 2.044/1908), ela não impede a realização do protesto depois daquele prazo. Esse prazo é importante apenas para a cobrança dos devedores indiretos e não para a realização do protesto em si, que, como vimos, tem outros efeitos. O protesto pode ser feito normalmente mesmo após o prazo de um dia útil após o vencimento, mas não terá aquele efeito de permitir a cobrança dos devedores indiretos. Os demais efeitos (interrupção da prescrição, configuração da impontualidade ou inscrição nos cadastros de inadimplentes) são gerados mesmo após o prazo de um dia útil.
Apesar de o artigo 9º da Lei nº 9.492/97 dizer que o tabelião não deve analisar prescrição ou caducidade. O STJ firmou a opinião no sentido de que após a prescrição da execução, não seria mais possível o protesto por falta de pagamento. Nesse sentido, afirmou que: “É legítimo o protesto de cheque efetuado depois do prazo de apresentação previsto no art. 48, caput, da Lei nº 7.357/85, desde que não escoado o prazo prescricional relativo à ação cambial de execução”.[5] No mesmo sentido, foi dito pelo mesmo STJ que: “Em que pese o artigo 9º da Lei nº 9.492/97 estabelecer que não cabe ao tabelião investigar a ocorrência de prescrição ou caducidade, é preciso observar a inovação legislativa causada pelo advento da Lei nº 11.280/2006, que alçou a prescrição ao patamar das matérias de ordem pública, cognoscíveis de ofício pelo juiz, passando, portanto, o exame da prescrição a ser pertinente à observância da regularidade formal do título, condição para o registro de protesto, como exige o parágrafo único do mesmo art. 9º da Lei nº 9.492/97.”[6]
Embora a opinião já tenha sido acolhida pelas duas turmas de direito privado do STJ, não vemos a consumação da prescrição da execução como impeditiva do protesto do título, porquanto ainda existiriam outros meios para tentar receber o título, como, na linha do mesmo STJ, ação monitória. Assim, enquanto houve uma pretensão, cuja prescrição possa ser interrompida pelo protesto, seria legítima sua realização.
Nos julgados acima indicados, o STJ mantém a conclusão de que o protesto após o decurso do prazo de prescrição da execução é irregular, mas negou o dano moral, pois ainda pendentes meios possíveis para a execução dos títulos em tela. Nesta perspectiva, o adágio de que o protesto irregular causa dano moral in re ipsa, não é mais aplicável a todos os casos, os danos só serão indenizáveis, se não houver outro meio disponível de cobrança (ex.: monitória).
[1] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, v. 1, p. 421.
[2] WHITAKER, José Maria. Letra de câmbio. São Paulo: Saraiva, 1928, p. 199.
[3] MARTINS, Fran. Títulos de crédito. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, v. 1, p. 270.
[4] STJ – REsp 671486/PE, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, Terceira Turma, julgado em 8/3/2005, DJ 25/4/2005, p. 347.
[5] STJ – REsp 1297797/MG, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/2/2015, DJe 27/2/2015.
[6] STJ – AgRg no AgRg no REsp 1100768/SE, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 11/11/2014, DJe 17/11/2014. No mesmo sentido: AgRg no REsp 1232650/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 04/08/2015, DJe 13/08/2015; STJ – AgRg no REsp 1483004/AM, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 03/09/2015, DJe 11/09/2015; STJ – AgRg no AREsp 593.208/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 25/11/2014, DJe 19/12/2014; STJ – REsp 1423464/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 27/04/2016, DJe 27/05/2016.