Notícia
Terceira Turma não vê fraude em alienação do controle de empresas do Grupo Ipiranga
É desnecessária a realização de oferta pública de ações em favor dos acionistas preferenciais da companhia que teve suas ações incorporadas, mas que continuam com plena liquidez no mercado de capitais. Conforme entendimento da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a regra prevista no artigo 4º, parágrafo 4º, da Lei 6.404/76 se aplica apenas aos casos de fechamento de capital.
A decisão foi tomada pela turma ao negar provimento a recurso especial em caso referente às empresas do ramo de investimento que eram titulares de ações preferenciais do Grupo Ipiranga. As empresas recorrentes alegaram que houve violação da lei em questão, quando o controle das empresas do Grupo Ipiranga foi alienado à Ultrapar Participações. A venda deu início a uma grande transformação societária, compreendendo ainda a Petrobras e a Brasken.
Segundo as empresas recorrentes, a violação teria ocorrido porque a reorganização societária seria equivalente a um fechamento indireto de capital, o chamado “fechamento em branco”, que implicaria fraude.
Plena liquidez
O relator do recurso, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, explicou que as empresas envolvidas na operação eram de capital aberto e suas ações teriam plena liquidez. Dessa forma, os acionistas poderiam alienar suas ações livremente no mercado, não caracterizando, portanto, o fechamento indireto.
Para Sanseverino, no caso dos autos, “não se vislumbra o ‘fechamento em branco’ ou fraude à lei”.
“Em um verdadeiro fechamento de capital, as ações perderiam a liquidez, pois não poderiam mais ser negociadas no mercado de capitais. No caso da incorporação de ações realizada nos presentes autos, não tendo havido perda de liquidez, não há razão para se aplicar, por analogia, a norma do artigo 4º, parágrafo 4º”, disse o relator.
Em seu voto, Sanseverino diferenciou a incorporação de ações da incorporação de uma sociedade por outra: “No primeiro caso, a sociedade incorporada continua existindo, na condição de subsidiária integral, ao passo que, no segundo, a sociedade incorporada é simplesmente extinta.”
RESP 1642327
COMENTÁRIOS:
A participação de uma sociedade no mercado de capitais, isto é, a negociação de seus valores mobiliários no mercado, não precisa ser eterna. Em outras palavras, uma sociedade aberta pode se tornar uma sociedade fechada. Todavia, tal operação pode afetar diretamente os interesses dos acionistas e dos titulares de outros valores mobiliários negociados no mercado.
Para uma sociedade inicialmente aberta se tornar uma sociedade fechada, é realizado um procedimento que se pode denominar de fechamento do capital social. Este procedimento se efetiva com o cancelamento do respectivo registro da sociedade e de seus títulos junto à CVM. Tal cancelamento do registro afeta diretamente os interesses dos acionistas minoritários e dos titulares de valores mobiliários negociados no mercado, uma vez que haverá perda de liquidez dos títulos, perda de um referencial de preço e perda do direito de ser informado sobre diversas situações.[1] Por isso, há que se impor um procedimento pormenorizado, a fim de evitar prejuízos a tais pessoas.
Inicialmente, tal procedimento de fechamento do capital social não era disciplinado pela Lei das S.A., mas apenas pela Instrução Normativa 229/95 da CVM. Este diploma normativo, todavia, não protegia efetivamente os minoritários, assegurando uma margem muito grande de liberdade para os administradores e não definindo critérios para o preço da oferta a ser feita pelo controlador para retirar as ações do mercado.
O parágrafo quarto do artigo 4º da Lei das S.A. dispõe que, para o fechamento do capital social, e o consequente cancelamento no registro de uma sociedade na CVM, deverá ser feita pelo controlador uma oferta pública para aquisição de todas as ações em circulação por preço justo. Tal oferta também pode ser feita pela própria companhia, nos casos em que se admite a aquisição de ações para permanência em tesouraria.[2]
A fim de evitar a aplicação da Oferta Pública, poderia ser tentado fazer um fechamento branco do capital social, vale dizer, sem efetivamente cancelar o registro da sociedade, é reduzida de tal maneira a liquidez das ações no mercado que sua negociação se mostra inviabilizada. Assim, a fim de evitar o fechamento branco do capital social,[3] se impõe ao controlador que aumentar sua participação de tal modo a reduzir substancialmente a liquidez das ações remanescentes a obrigação de fazer uma oferta pública nos mesmos termos da oferta para o fechamento do capital social. Aqui, protege-se essencialmente o interesse do acionista que se vê privado da transparência e controle provocados pela abertura efetiva do capital social.[4] Todavia, permite-se ao controlador a alternativa de se comprometer a alienar o excesso de participação a pessoas não vinculadas a ele, no prazo de três meses a contar da ocorrência da aquisição, restabelecendo a liquidez das ações no mercado (art. 28 da Instrução Normativa 361 da CVM).
Tal fechamento branco só ocorrerá se efetivamente reduzida a liquidez das ações no mercado. Sem redução de liquidez, não há que se cogitar de aplicação das regras do fechamento de capital e, consequentemente, da oferta pública obrigatória.
[1] AMENDOLARA, Leslie. Os direitos dos acionistas minoritários: com as alterações da Lei 9.457/97. São Paulo: STS, 1998, p. 109.
[2] PARENTE, Norma. Principais inovações introduzidas pela Lei nº 10.303 de 31 de outubro de 2001, à Lei de Sociedades por Ações. In: LOBO, Jorge. Reforma da lei das sociedades anônimas. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 16; CARVALHOSA, Modesto e EIZIRIK, Nelson. A nova lei das sociedades anônimas. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 60.
[3] CANTIDIANO, Luiz Leonardo. Alteração na lei das sociedades por ações – o substitutivo do Deputado Emerson Kapaz. In: MOSQUERA, Roberto Quiroga (Coord.). Aspectos atuais do direito do mercado financeiro e de capitais. São Paulo: Dialética, 2000, v. 2, p. 147.
[4] Parecer do Deputado Emerson Kapaz, apud CARVALHOSA, Modesto. Notícia sobre a reforma da lei das sociedades anônimas – Projeto do Deputado Emerson Kapaz, In: MOSQUERA, Roberto Quiroga (Coord.). Aspectos atuais do direito do mercado financeiro e de capitais. São Paulo: Dialética, 2000, v. 2, p. 181.